quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Dias que transformaram vidas

11 de novembro de 2011. Era uma noite quente, embora a previsão do tempo anunciasse que chuva e frio estavam por vir. Sai mais cedo da minha aula e fui rumo a experiência que seria a mais intensa da minha vida.

Cheguei ao local de partida totalmente perdido e logo fui orientado como deveria prosseguir. Panamá! A partir daquele momento eu faria parte dessa escola. Em seguida, vesti o uniforme que me acompanharia em momentos de calor, frio, sujeira...Enfim, a vestimenta que me acompanharia por três dias seguidos.

Rosto pintado, camiseta no corpo; aos poucos a pessoa que havia chegado ali, perdida, se transformava. Entrei dentro do colégio e aguardei pelas primeiras instruções. Fiquei espantado com a quantidade de pessoas, era incrível saber que estava fazendo parte de algo cuja grandiosidade escapavam de meus olhos. Assistimos um vídeo e logo de cara me emocionei, o sangue latinoamericano começava a pulsar em minhas veias.

Havia gente de todos lugares, gente de todas as cores, mas todos com um coração latino, um coração que queria mostrar que sim, a América Latina estava! Após a apresentação, dirigimo-nos aos ônibus que nos levariam ao nosso destino. Ansiedade, curiosidade, medo, coragem...Eu estava sentindo um misto de várias coisas.

Chegamos a escola que seria nossa morada a partir dali: República do Peru, localizada na Vila Clara, em Cotia. Descarregamos as malas e entramos no colégio, ainda perdidos. Mais apresentações e uma brincadeira que fez com que nos entrosássemos; ninguém queria sobrar e ser chamado de ameba por três dias. Infelizmente(para ele) o uruguaio Nacho foi o “sortudo”, ganhou faixa e tudo!

Apresentações feitas, pessoas começando a se enturmar... Era hora de dormir, pois o dia seguinte seria longo e de trabalho pesado. Entrei em uma das salas de aula que serviriam de quarto para nós nesses dias e arrumei minhas coisas, depois, escovei os dentes, troquei de roupa e deitei naquele que seria a melhor cama que eu já tive na vida: meu saco de dormir. Estava ansioso demais e por isso demorei para dormir; não acreditava que eu estava ali, que finalmente havia começado.

No dia seguinte fomos acordados bem cedo, por volta de 5h40 e não havia corpo-mole. Precisávamos nos arrumar rápido, pois não podíamos perder tempo. Trocamos de roupa, tomamos café e seguimos rumo a comunidade de Vila Clara. No campo de futebol que fica na entrada, aquecemo-nos e cantamos algumas músicas em espanhol, sempre puxadas pelos uruguaios mais animados que eu já conheci. Como eu fazia parte da logística, fomos os primeiros a subir, pois “ditaríamos o rumo da construção”. E de fato, foi o que fizemos.

Caminhávamos pela comunidade e tantas, tantas coisas passavam pela minha cabeça naquele momento...Chegamos ao QG, lugar onde os materiais estavam guardados e onde nossas coisas ficariam. Mais apresentações, descobri o nome dos meus companheiros e o que faziam de suas vidas. Estranho imaginar que a partir daquele momento seriamos uma equipe e deveríamos nos apoiar. Foi o que fizemos.

Depois do aquecimento e das apresentações era chegada a hora de começar a trabalhar. Inicialmente era tudo muito pesado, mas aos poucos íamos descobrindo que nossos braços eram mais fortes do que imaginávamos e que nossa união já se demonstrava presente. Foi nesse momento que me aproximei de algumas pessoas. A primeira delas foi a Rayanne, mais que uma companheira desses três dias. Logo depois foi o Gonzalo, o espanhol mais latinoamericano que eu já conheci e que esteve presente em boa parte desses três dias.

Caminhão carregado era hora de voltar para a comunidade. Primeiro as vigas leves, que já machucavam nossos ombros, mas nada que alguns segundos de descanso não resolvessem. Depois aquilo que seria a coisa mais pesada que eu havia carregado na minha vida: o piso. Era muito, muito pesado e cerca de 6 pessoas precisavam carrega-lo para distribuir o peso. Foi aí que percebemos a dificuldade dos terrenos; era tudo muito estreito, com cercas de arame e pregos por toda a parte. Além do banho de serragem que estávamos tomando.

Conforme fazíamos as entregas, começávamos a conhecer a Vila Clara e sua gente. Muitas pessoas nos recebiam com um sorriso no rosto, muitas crianças brincavam conosco, era uma energia muito boa, apesar do cansaço. Manhã terminando, já era hora de se pensar no almoço. Como sou vegetariano, almocei com mais dois companheiros de logística em uma casa que a dona havia preparado ovos cozidos, entre outras coisas. Muito simpática, nos contou coisas sobre sua vida e foi deveras hospitaleira conosco, junto com seus filhos.

Energias recarregadas, hora de voltar ao trabalho. Os pisos ainda não haviam sido entregues, mas apesar do cansaço, conseguimos cumprir a meta do dia. No final da tarde algumas pessoas que estavam construindo as casas subiram para nos ajudar, foi aí que eu conheci a Marcella, uma cientista social que muito me fez rir e que a partir daquela hora me agüentou pelo resto da Construção.

Dia chegando ao fim, hora de arrumar as coisas e voltar para a escola. Descemos da comunidade e aguardamos um bocado, até que todos o fizessem. Nesse momento conversei demais com a Marcella e com o Gonzalo, as barreiras do idioma haviam se quebrado e já nos comunicávamos como três velhos conhecidos. Voltamos para a escola, tiramos a roupa suja e tomamos banho de...Lenço umedecido! Sim, esse seria nosso único banho durante a jornada, mas não reclamávamos. Embora todos estivessem cansados, sujos, a sensação que predominava era que tudo aquilo valeria a pena, já estava valendo!

Descemos para o refeitório e jantamos. Havia até uma farofa para quem era vegetariano; senti a preocupação com os voluntários. Caso não houvesse nada, arroz e salada estariam de bom tamanho para mim. Até sobremesa teve! Conversamos mais e eu descobri o porquê Christina Kirchnner foi tão ovacionada em seu país e ganhou a eleição com uma porcentagem esmagadora e descobri porque na Espanha só se ganha presidentes da Direita.

Barrigas cheias, pratos e copos lavados; hora de formação. Debatemos sobre a América Latina e a semelhança entre seus países, rimos um pouco e fomos aos nossos aposentos dormir o sono dos justos, que não foi interrompido nem mesmo pela música alta que tocava do lado de fora e por uma forte luz que estava acesa próxima as janelas. Dormi bem rápido e quando percebi, já estava acordando para o segundo dia de trabalho.

A rotina era a mesma do dia anterior, mas uma coisa havia mudado: a comunicação entre nós. A maioria das pessoas saudavam umas as outras com “bom dia” e votos de coragem para o dia que se iniciara. Tomamos café, escovamos os dentes, pegamos nossas coisas e partimos novamente para Vila Clara. Era bonito ver como estávamos próximos, todos conversavam entre si no caminho.

Mais uma vez a logística foi a primeira a entrar na comunidade e seguir para o QG. Escutamos elogios de nossos líderes, que diziam que o trabalho estava adiantado e que estavam orgulhosos de nós. Nas horas de cansaço, calor e fome, qualquer elogio servia como um estimulante e tanto. Começamos a carregar o caminhão e até seguimos em cima dele para a comunidade, foi um momento bacana; sentir o vento bater em nosso rosto passava uma sensação de liberdade incrível.

Chegamos na Vila Clara e, regados a muito Dolly, começamos a entregas. Conhecíamos a comunidade de cabo-a-rabo. Todos os atalhos, caminhos difíceis, tudo! A chuva começou a se manifestar, mas não paramos nosso trabalho em nenhum momento, pelo contrário. Manhã puxada, novamente fomos distribuídos para almoçar e eu comi o melhor arroz, feijão e ovo da minha vida. A dona da casa era muito querida, nos deixava muito a vontade e sempre insistia para que comessemos mais, fazia tempo que eu não era recepcionado tão bem em uma casa. Depois do almoço, passei algum tempo conversando com algumas crianças e outros colegas. Conheci a Azucena, uma argentina muito fofa que não gosta dos produtos da Cris Morena, mas que adora a miscigenação brasileira.

A tarde se chegou e, conforme fazíamos as entregas, era bacana ver a gratidão de nossos companheiros que estavam construindo as casas, conforme entregávamos os materiais, percebiam nosso esforço. Em um determinado momento me cortei com uma telha, mas não foi o suficiente para me parar. Mais chuva, mais cansaço e...TODOS OS MATERIAIS ENTREGUES! Cumprimos a meta e agora era a hora de ajudar nas casas.

Ajudei um pouco em cada casa e, quando a noite chegou a chuva estava mais forte ainda, porém, ninguém parou de trabalhar. Ninguém menos eu, Gonzalo, Rayanne e Marcella. Descobrimos que estavam vendendo batatas fritas em uma casa e corremos para lá, foi um dos momentos mais legais da construção. Conversamos bastante, ensinamos várias coisas em português para o nosso colega espanhol que não conseguia falar “chuva” e tivemos o melhor programa de índio do mundo. De verdade, esse momento vai ficar guardado pra sempre na minha memória, fazia tempo que eu não me divertia tanto.

Já era tarde e praticamente todas as casas já estavam finalizadas; hora de voltar para o colégio. Chegando lá, cumprimos os rituais de sempre e uma tristeza começava a bater em mim. Amanhã aquilo tudo terminaria, amanhã voltaríamos para nossas vidas, ainda que elas não fossem mais as mesmas após a experiência. Senti vontade de chorar, mas não o fiz. Decidi aproveitar os últimos momentos com aquelas pessoas. Mais discussões, vimos o quão importante era o nosso trabalho.

A última noite foi tranqüila, todos estavam cansados, mas ainda sobrou tempo para algumas discussões sobre futebol e coisas assim. No dia seguinte acordaríamos mais tarde, pois só teríamos que pintar as casas. Acordamos por volta de 8h00 e eu já estava bem triste, pensando no fim. Tiramos algumas fotos e seguimos para a comunidade, com um frio que abraçava nossos corpos, mas que em poucos minutos daria espaço para o calor do último dia de trabalho.

A logística foi dividida em várias casas e agora meu trabalho era pintar e finalizar portas e janelas, além de fazer algumas entregas. Também tive tempo para brincar com os cachorros da Vila Clara, que eram muitos, me senti em casa e lembrei-me do trabalho realizado na Matilha Cultural. Portas e janelas colocadas, hora de deixar as casas mais bonitas ainda.

Algumas ganhavam o amarelo como cor, outras o laranja. Mas todas eram lindas, lindas. A inauguração foi linda, com a dona da casa emocionada e as palavras bonitas de nossos companheiros, junto com a alegria das crianças que brincavam ali dentro. Naquele momento minha ficha começou a cair: eu havia feito parte daquilo. Nós havíamos feito parte daquilo. Mudamos a vida de 105 famílias, mas era só o começo.

Despedimo-nos das pessoas da comunidade. Era incrível como estavam gratas por nosso trabalho, por nosso suor. Todas alegres, valentes e dispostas a encarar todas as dificuldades da vida, que não eram poucas. Descemos da comunidade sob chuva forte, mas não o suficiente para que não cantássemos e dançássemos a última música: “el pollo, el pollo con una pata...” Era a despedida de nossos hermanos.

Chegando na escola, o tempo era curto e suficiente apenas para pegarmos nossas coisas. Apesar do inconveniente ocorrido com o motorista do ônibus, deixamos a Vila Clara e regressamos para nosso ponto de partida. Encontramos-nos com todos os outros companheiros que estavam em outras comunidades. Todos com suas calças e camisetas sujas, mas quem se importava com isso? A felicidade e o sensação de missão cumprida nos dominava.

Cerimônia de encerramento se iniciava e algumas lágrimas caíram do meu rosto. O fim havia chegado. Foi lindo, lindo ver a dimensão de nosso trabalho, a quantidade de pessoas mobilizadas por uma única causa, a quantidade de nações juntas em uma só...Meu Deus, como fui abençoado de ter feito parte disso.

Agora meus olhos se enchem de lágrimas, mas lágrimas de felicidade. Eu não trocaria esses três dias no Teto por nada, por nada. Foi a experiência mais intensa que eu já tive na vida, também não mudaria nada. Todas as pessoas que estavam comigo foram essenciais para que tenha sido tão bom como foi e por isso eu digo que faria tudo outra vez. Que saudades dos colegas que fiz lá, que saudades! O que me conforta neste momento é saber que, uma vez que pessoas boas entram na nossa vida, nela elas permanecem. E eu já vejo reflexo disso.

E...QUE CHOVA! Porque agora 105 famílias possuem um teto e podem dormir tranquilas. Mas ainda há muito o que ser feito.



Somos todos techeros e agora estamos unidos, assim como a América Latina. Nada disso foi um erro.

sábado, 5 de novembro de 2011

Nenhum lugar além desse

Em boa parte da minha vida tive péssimas experiências com colégios. Não me adaptava ao lugar, às pessoas, muitas vezes nem mesmo aos professores e aquilo se tornava um martírio diário pra mim. Já tive sérios problemas em função disso e já me prejudiquei muito, mas felizmente a roda gira um dia e as coisas mudam. Isso aconteceu na minha vida.

Sentir-se querido. Sentir-se na presença de pessoas de bem. Sentir-se acolhido. Sentir-se humano. Essas são algumas formas que eu me sinto no meu atual colégio. E desde o momento em que eu pisei lá pela primeira vez sabia que ali seria diferente. Não porque fulano famoso estudou lá, porque tem cinema no colégio, não por nada disso. Mas porque ali eu enxerguei um espaço de acolhimento, um espaço em que pessoas eram tratadas como pessoas.

Meus professores não são apenas profissionais com uma ótima formação profissional, são pessoas extremamente humanas, que nos respeitam, que são pacientes com todas as perguntas que fazemos e que também sabem rir e descontrair a sala quando necessário. São pessoas que se esforçam para passar tudo aquilo que sabem para nós, que nos projetam, que querem que sejamos grandes em tudo. Que não desistem de nós nem mesmo quando nos já desistimos. São inspirações e são atitudes diárias que absorvo deles e me torno uma pessoa melhor.

Meus colegas de classe foram uma das maiores surpresas que eu tive. Não pensei que fosse ter tanta afinidade como tenho com eles, não pensei que fosse me sentir tão bem no mesmo ambiente que eles, como me sinto. É bem verdade que vez ou outra surgem atritos, mas eu tento não deixa-los se sobressairem a todas aos momentos bons que temos. Rir de algo estúpido, conversar sobre aquela prova em que quase todos foram mal, interessar-se pelas coisas que os outros fizeram no final de semana, enfim, coisas assim que me aproximam deles todos os dias e fazem com que eu me sinta menos sozinho, porque ali eu tenho um lugar.

São vidas, são histórias, são vários caminhos que se cruzam todas as noites e fazem com que a minha vida perca um pouco o tom de preto-e-branco e ganhe várias cores, porque somos vários em um mesmo lugar em busca de um mesmo objetivo: crescer. E não só acadêmicamente, mas em todos os aspectos da vida. Eu poderia escrever um texto enorme falando de todas as coisas boas de lá, mas a verdade é que eu fui abençoado quando esse colégio apareceu na minha vida e, por mais que eu reclame de algumas coisas, tenho a certeza que não gostaria de estar em lugar nenhum, além desse.